“O voluntariado é, e é bom que seja, um ato egoísta”

Matia Losego

“O voluntariado é, e é bom que seja, um ato egoísta”

Matia Losego é um jovem italiano, licenciado em Animação Sociocultural e apaixonado por iniciativas de voluntariado que provoquem um impacto na comunidade. Encontra-se neste momento a trabalhar como gestor de projetos na Associação Juvenil Dínamo, localizada nas Mercês, em Sintra. Participa também em diversas atividades de voluntariado e de educação não formal em vários locais de Portugal.



Matia tem uma visão muito particular sobre o setor em que trabalha, pois acredita que o voluntariado é, no fundo, um ato egoísta. “Toda a gente que fez voluntariado sabe que é mais aquilo que levas do que aquilo que dás”, afirma. “É bom pensar no que é que uma pessoa quer levar de um projeto e de uma experiência de voluntariado, e devemos ser transparentes quanto a isto e pôr os nossos interesses, expectativas, necessidades e agendas na mesa. Voluntariado não é só dar, mas é também aprender, é uma coisa nos dois sentidos”, explica.


Foi em 2008 que veio para Portugal ao abrigo do programa Serviço Voluntário Europeu (SVE), uma iniciativa do programa Juventude em Ação, da Comissão Europeia, destinado a jovens entre os 18 e os 30 anos. Cada voluntário escolhe um país europeu para a sua mobilidade, no qual desenvolve um projeto. “O meu projeto cá em Portugal foi na Aldeia SOS, uma organização internacional que acolhe crianças órfãs ou com famílias problemáticas. Uma das três aldeias é em Bicesse, em Alcabideche, e fiquei lá nove meses”, conta Matia.


Após esta experiência, decidiu ficar em Portugal para continuar os seus estudos. Fez o exame de Português de 12º ano e ingressou na Escola Superior de Educação de Lisboa, para estudar Animação Sociocultural. Ao longo dos três anos da sua licenciatura teve a oportunidade de estagiar em três locais, e a sua paixão pelo voluntariado fê-lo escolher para primeiro estágio um projeto no âmbito da narração oral e da promoção da leitura e dos contos na Biblioteca Municipal de Oeiras. Estagiou em seguida na SOLIM – Solidariedade Imigrante, a maior associação independente de solidariedade de migrantes em Portugal, e por fim no Conselho Português para os Refugiados.


A sua ligação com a narração oral está ainda muito presente na sua vida, pois desde 2009 que trabalha como Contador de Histórias da Bolsa de Contadores do projeto “Histórias de ida e Volta”, da Biblioteca Municipal de Oeiras. “Daí saíram outras oportunidades, como as Palavras Andarilhas, o Andanças, o Festival Músicas do Mundo em Sines, ou outras coisas como escolas, espaços culturais ou cafés mais para adultos, que é mais desafiante”, refere sobre esta vertente do seu trabalho.


Para além disso, Matia assume neste momento dois papéis fundamentais na Associação Juvenil Dínamo: faz a gestão de projetos, na qual implementa, acompanha e fecha as iniciativas que fazem parte desta Associação Juvenil, quer seja a nível local, nacional ou internacional, com ou sem orçamento; e trabalha como formador, ao ajudar na coordenação e gestão pedagógica e educativa desses mesmos projetos, acompanhando os jovens voluntários. “Eu ajudo a construir um plano de aprendizagem, um learning plan, que é definir objetivos de aprendizagem, arranjar maneiras de desenvolver e monitorizar essas aprendizagens, e avaliar no final, para que seja reconhecido”, explica sobre o seu trabalho.

Matia também realiza atividades de Youth Work, que descreve como a parte educativa dentro do âmbito sociocultural, dentro e fora da Dínamo. Faz parte da bolsa de formadores do Conselho Nacional da Juventude desde 2013, e está, desde 2014, na bolsa da Agência Nacional para a Gestão do Programa Erasmus + Juventude em Ação, da Comissão Europeia.


“Aprendi a não dizer muitas vezes ‘quando fazes coisas das quais gostas não é trabalho’, porque continua a ser trabalho, e continua a haver coisas chatas e prazos. Mas acho que é um trabalho com desafios e gratificante”, afirma sobre o voluntariado. O seu percurso nesta área vem desde criança, na sua cidade natal de Zoldo, na região de Veneza. “A minha relação com o voluntariado vem de bastante longe, porque sou de um vale pequenino onde é normal que as pessoas e os jovens estejam envolvidos em organizações. A grande maioria está até envolvida em mais do que uma organização”, explica.


Começou por trabalhar na promoção de eventos comunitários, e ajudou a criar uma associação juvenil, através da qual entrou em contacto com outras organizações da sua província italiana e com o plano de juventude da região. Fez também parte de um serviço de prevenção de consumo de álcool e drogas nas festas de verão, no qual alertava as pessoas para estes perigos, e realizou alguns trabalhos pontuais, como campos de trabalho voluntário em que os jovens dedicavam duas semanas do verão a arranjar telhados de moradias e os donos das mesmas forneciam-lhes comida e um sítio para dormir.


Após terminar o secundário na vertente de Humanidades, foi para Trento, onde durante três anos estudou Engenharia Ambiental. Porém, sentindo que o seu caminho não passava por esta área de trabalho, Matia decidiu dedicar-se a outros âmbitos. Foi representante dos estudantes na sua faculdade, e fez um ano de Serviço Civil Nacional no Pelouro da Juventude da Câmara Municipal de Trento, onde trabalhou como voluntário a tempo inteiro, durante 12 meses, com uma pequena bolsa.


Foi nesta altura que entrou em contacto com o SVE, ao apoiar os voluntários estrangeiros no âmbito do Serviço Civil Nacional. Mais tarde, decidiu vir com esse mesmo programa para Portugal. Mas Matia não esconde que a sua vinda tinha mais do que uma razão: “quando eu estava a trabalhar no Serviço Civil conheci a minha namorada, que é portuguesa e estava a fazer o seu projeto de voluntariado lá, e ficámos juntos na Itália. A minha principal motivação de vir para Portugal foi vir atrás dela, e o SVE foi a oportunidade que surgiu para chegar a este objetivo. A minha agenda profissional cruzou-se com a minha agenda pessoal neste programa”, revela.


Matia guarda pelo SVE um carinho especial, e quando começou a trabalhar na Dínamo reuniu esforços para que este programa da Comissão Europeia fizesse parte da vida da Associação Juvenil. Desde que foi implementado na Dínamo, o programa já permitiu que vários voluntários portugueses fossem para o estrangeiro e alguns voluntários de outros países viessem viver em Sintra. Matia explica que este é dos poucos programas que têm uma ferramenta para o reconhecimento das aprendizagens desenvolvidas, pois após o desenvolvimento de um projeto num país estrangeiro, é concedido pela Comissão Europeia um diploma com oito competências-chave, com o nome Youth Pass.


No seu dia a dia, Matia desenvolve um trabalho muito focado na valorização dos voluntários em termos de competências adquiridas, e um dos pontos que mais o preocupa é a “questão da empregabilidade”. Um dos pontos mais prementes é o valor que as empresas dão ou não o voluntariado, pois ao permitir que o currículo de um voluntário seja gerido em função do que as empresas procuram, ocorrem casos em que os jovens não colocam a sua experiência de SVE “porque é visto como perder um ano”, explica Matia. Diz também que há empresas que não olham para as competências desenvolvidas, e apenas verificam em que iniciativas os jovens participaram.


Em relação ao futuro, Matia prevê continuar na Dínamo nos próximos anos, pois revela que está muito ligado a esta associação e que desenvolveu por ela “um sentimento de pertença e entrega”. Refere também que não esquece o seu papel como Contador de Histórias, que pretende continuar a desempenhar. “O meu objetivo profissional é tornar-me melhor na área do trabalho socioeducativo com jovens e desenvolver as minhas competências”, remata, demonstrando que a aprendizagem é um processo que nunca termina.

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